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RUMO Á ANARQUIA

É muito frequente acreditar que pelo fato de dizermo-nos revolucionários, achamos que o advento da anarquia deva produzir-se de uma só vez, como consequência imediata de uma insurreição, que abateria de forma violenta tudo o que existe e o substituiria por instituições verdadeiramente novas. Para dizer a verdade, não faltam camaradas que assim concebem a revolução.
Este mal-entendido explica porque entre nossos adversários, muitos creem, de boa fé, que a anarquia é uma coisa impossível; e isto também explica porque certos camaradas, vendo que a anarquia não pode medrar repentinamente, tendo em vista as condições morais atuais da massa, vivem entre um dogmatismo que os põe fora da vida real e um oportunismo que os faz quase esquecer que são anarquistas e, nesta qualidade, devem combater a favor da anarquia.
Ora, é certo que o triunfo da anarquia não pode ser efeito de um milagre, assim como não pode produzir-se a despeito de, e em contradição com a lei da evolução: que nada aconteça sem causa suficiente, que nada se possa fazer se faltar a força necessária.
Se quiséssemos substituir um governo por outro, isto é, impor nossa vontade aos outros, bastaria, para isto, adquirir a força material indispensável para abater os opressores e colocarmo-nos em seu lugar.
Mas, ao contrário, queremos a Anarquia, isto é, uma sociedade fundada sobre o livre e voluntário acordo, na qual ninguém possa impor sua vontade a outrem, onde todos possam fazer como bem entendem e concorrer voluntariamente para o bem-estar geral. Seu triunfo só será definitivo, universal, quando todos os homens não mais quiserem ser comandados nem comandar outras pessoas, e tiverem compreendido as vantagens da solidariedade para saber organizar um sistema social no qual não haverá mais marca de violência e de coação.
[…] Vemos, portanto, que para instaurar a anarquia não basta ter a força material para fazer a revolução, mas é também preciso que os trabalhadores associados, segundo os diversos ramos de produção, estejam em condições de assegurar, por eles próprios, o funcionamento da vida social, sem o auxílio dos capitalistas e do governo.
Pode-se também constatar que as ideias anárquicas, longe de estarem em contradição com as leis da evolução estabelecidas pela ciência, como o garantem os socialistas científicos, são concepções que se adaptam perfeitamente a elas: é o sistema experimental, transportado do campo das pesquisas para o das realizações sociais.
Le Réveil, 1910